segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Traduzir é trair? II


Em um dos primeiros posts do blog escrevi sobre esse velho trocadilho italiano traduttore-traditore e tentei expor a seguinte idéia: tudo bem que o tradutor seja considerado um traidor, mas sem tradução o mundo não seria o mesmo. Nossa, que poético! Mas é verdade se você conseguir imaginar algumas situações: como seria uma convenção da ONU sem as cabines dos intérpretes? Como seria termos que aprender dezenas de línguas para podermos ler a literatura universal? Como seria uma transação comercial internacional sem a intervenção de um intérprete? Realmente é difícil imaginar o mundo sem a profissão de tradutor, mas é muito fácil recriminar o profissional que cometeu um deslize, sem enxergar os benefícios dos inúmeros acertos cometidos. É melhor o tradutor passar despercebido a ser notado por uma falha. Eis nossa triste realidade.

Mas voltando ao nosso tema: o da traição. Eu tenho lido que, durante muito tempo, a tradução era vista como uma tentativa de cópia fiel de uma obra, sendo que em outro idioma. Essa última condição já contraria o que entendemos por fidelidade e não creio que os tradutores antigos tenham sido tão ingênuos em pensar que eram fiéis ao original, apenas alguns teóricos são infantis a tal ponto. A obra literária, o contrato, a letra de música, isso é, o texto, ganha novos os leitores para somar-se àqueles que o leram em sua primeira língua e ganha novas formas paralelas à original, transforma-se em esposo infiel do autor pelas mãos de um manipulador, de um traidor. Porém, essa manipulação não tem a intenção de afastamento, ela deseja aproximar-se de outros olhos, de outras pessoas que querem lê-lo, tê-lo em mãos para gozar do prazer de poder usufruí-lo, pois, depois de escrito, o texto não pertence mais ao autor e não cabe a ele ter ciúmes de algo que não lhe pertence.

Hoje, essa noção de que “ninguém é de ninguém” está cada vez mais clara. O tradutor não se preocupa tanto com a fidelidade, não por desprezar o texto original e querer melhorá-lo, mas por saber que essa é uma tarefa impossível. Ao compararmos várias traduções, perceberemos as escolhas e as diferentes ênfases que fazem da versão uma obra do tradutor. Sempre que lia um livro, tinha a preocupação de saber seu título original, em que língua foi escrita e de qual língua foi traduzida, agora ganhei mais fios brancos no cabelo, procuro sempre saber quem foi o traidor.


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